quinta-feira, 29 de abril de 2010

24/04/2010 - Primeiro programa sobre a California da Canção Nativa


O que é Califórnia ?
Califórnia vem do grego, "conjunto de coisas belas". Aqui no Rio Grande do Sul, inicialmente, se chamaram califórnias as incursões guerreiras que Chico Pedro, chamado de Moringue, fez na Cisplatina.
Depois disso, califórnia passou a designar "corridas de cavalos em que participassem mais de dois animais em busca de grandes prêmios".
Com as significações de "conjunto de coisas belas"ou "competição entre vários concorrentes em busca de grandes prêmios" é que o nome Califórnia da Canção Nativa prevaleceu para seus idealizadores.
O surgimento do festival, em 1971, se deveu à desclassificação da música Abichornado de um evento patrocinado pela rádio São Miguel, de Uruguaiana, com a explicação de que era um festival de música brasileira, não de "música de grosso". Colmar Duarte, líder do grupo Marupiaras e autor de Abichornado, resolveu engrossar e, do rolo, surgiu a Califórnia.
Naquele periodo, a música tradicional do Rio Grande do Sul estava relegada a horários inóspitos nas emissoras de rádio do estado. Segundo Paulo de Freitas Mendonça, pajador e jornalista, apesar de programas de rádio como o "Grande Rodeio Coringa, além de alguns outros em emissoras AM, que veiculavam aspectos da cultura tradicional gaúcha como a trova, o espaço ocupado pela música gaúcha no mercado discográfico era estreito, sendo apenas considerável o fenômeno Teixeirinha, recordista em vendas de discos. Ficando tantos outros cantores, compositores e instrumentistas esquecidos. A Califórnia da Canção foi criada por um grupo ligado ao CTG Sinuelo do Pago, em Uruguaiana, que resolveu montar um festival de música regionalista. Na primeira edição, pouco mais de 50 pessoas, presentes na primeira noite, se dispuseram a acompanhar a apresentação das músicas do festival. Porém, já nessa edição, a Califórnia reuniu, na noite final, mais de 800 pessoas.


O movimento reacendeu o orgulho nativista riograndense. Os jovens adotaram elementos da tradição gaúcha como o uso das bombachas, das mateiras e passaram a formar rodas de mate nas praças. Por sua importância e pionerismo, a Califórnia é considerada o embrião de vários outros festivais semelhantes que passaram a acontecer em todo o Rio Grande do Sul, nas décadas subsequentes. Entre os mais destacados, estão a Coxilha Nativista (Cruz Alta), Ciranda Musical (Taquara), Tertúlia (Santa Maria), Musicanto (Santa Rosa), Carijó da Canção Gaúcha (Palmeira das Missões), Reponte da Canção Crioula (São Lourenço do Sul), Moenda da Canção (Santo Antônio da Patrulha).
Os concorrentes do Festival Califórnia disputam a "Calhandra de Ouro", prêmio máximo, que tem como símbolo a Calhandra, ave dos pampas, de canto múltiplo, que emudece no cativeiro, só cantando na liberdade do seu habitat.
Os festivais, atualmente, somam mais de mil nomes cadastrados, entre compositores, músicos e intérpretes do gênero nativista musical só no Rio Grande do Sul.
Na segunda edição, nomes como Lupicinio Rodrigues, Paulo Ruschel, Luiz Menezes e as revelações Lúcia Helena, Plauto Cruz, Leopoldo Rassier e os Muuripás já estavam no palco. Foi quando ocorreu um dos primeiros causos do festival: Lupi tentou "esquentar" a apresentação de sua música cantando um pout-pourri de seus sucessos. Sem sucesso. Uma das musicas da 2ª Edição da California foi Pedro Guará com os Tapes
Na terceira Califórnia, o argentino Martin Coplas deu largada ao intercâmbio com o Prata e convidou alguns artistas argentinos para se apresentar na Califórnia, já instalada na Cidade de Lona - mistura de gauchismo, tertúlias, churrasco, canha e barracas - que se instalava no Parque da Associação Rural de Uruguaiana. A Califórnia de 1974 teve um convidado inesperado: agentes da comunidade de informação freqüentaram a Cidade de Lona por conta da música Canção dos Arrozais, de José Hilário Retamozzo, e seus versos "Quando evapora o suor do peão" e "Maduras hastes querem lâminas afiadas".
No palco, começava o duelo entre, digamos, conservadores e progressistas. Alguns concorrentes já se valiam da fórmula festivaleira de dividir suas músicas numa parte lenta e outra arrasta-peão, enquanto Ivaldo Roque, Jerônimo Jardim e seu Pentagrama apresentavam Coto de Vela e suas dissonâncias diante de um Cine Pampa surpreso. A surpresa acabou forçando a divisão da Califórnia em três linhas - campeira, manifestação rio-grandense e projeção folclórica - a partir de 1975. Neste mesmo ano, uma apresentação no Gigantinho com as vencedoras da Califórnia arrebanhou mais de l0 mil pessoas.

A Califórnia se transformou numa máquina de criar sucessos, como Negro da Gaita (Gilberto Carvalho e Airton Pimentel), com Cesar Passarinho, Esquilador, de e com Telmo de Lima Freitas, e Semeadura, de Fogaça e Vitor Ramil (o disco da 10' Califómia vendeu 50 mil cópias!). Também na 10' edição, o cantor Teixeirinha experimentou a desclassificação de sua música Última Tropeada porque ela conteria a expressão não-gaúcha "berrante".
O conflito entre o que seria a "boa" música gaúcha parecia encerrado em 1981, quando Desgarrados (Mário Barbará e Sérgia Napp) foi a primeira representante de projeção folclórica a vencer a Calhandra de Ouro. Era como se a organização da Califórnia tivesse entendido o que o payador Atahualpa Yupanqui, talvez a maior estrela a se apresentar na Califórnia, ensinara:
- O artista deve estar um passo a frente de seu povo, só um passo, para que possam segui-lo.
Em 1985, público e comissão organizadora pareciam estar bem atrás dos artistas. A música Astro Haragano, de e com Jerônimo Jardim, recebeu a Calhandra de Ouro sob vaia e chuva de latinhas de cerveja. Por outro lado, o regulamento do festival daquele ano definia que "A língua de expressão da letra é o português, respeitado sintática e foneticamente". A restrição foi entendida por muitos como um "banimento" do sotaque castelhano, talvez motivado pela vitória, na edição anterior, de O Grito dos Livres, na voz do argentino Dante Ramon Ledesma.
No ano da 15' Califórnia, uma retrospectiva lotou o Gigantinho, em Porto Alegre, enquanto mais de 40 mil pessoas estiveram na Cidade de Lona. Todo esse sucesso, porém, não baixou o fogo da discussão estética sobre o que era "ser gaúcho". O folclorista Barbosa Lessa, por exemplo, chegou a declarar:
- A Califórnia começou apenas "campeira", depois nós abrimos a porta, e eles agora querem derrubar as paredes.

Em meados dos anos 80, a Califórnia da Canção Nativa, apelidada por Jerônimo Jardim de "a mãe de todos os festivais", começa a ser ferida pelos seus próprios filhos. O sucesso da fórmula é copiado em mais de 60 festivais por ano no Rio Grande do Sul, os artistas peleiam para colocar suas musicas nessa orgia de certames e acabam por rebaixar a qualidade das composições. A milonga ganha a frente de todos os ritmos, e alguns intérpretes se "especializam" em festivais viram figurinhas carimbadas. Progressivamente, o público foi sumindo, enquanto a crise econômica fazia sumir os patrocinadores.
A Califórnia, que em 1987 foi transmitida pela TV para todo país, começou a encarar o fantasma dos lugares vazios na platéia. Mas não está morta, peleia.


Entre os artistas veteranos, da Califórnia da Canção, por participação e premiação, estão Henrique Dias de Freitas Lima, Telmo de Lima Freitas, Luiz Marenco, Elton Saldanha, Mário Barbará Dornelas, Miguel Bicca, Os Serranos, Antônio Augusto Ferreira, Luiz Carlos Borges, Jaime Vaz Brasil, Joca Martins e Ewerton Ferreira.
Inicialmente, sua primeira edição não teve tanta repercussão porém, algumas edições tiveram mais de 60 mil pessoas e hoje é o maior evento cultural regional do Brasil.