segunda-feira, 31 de maio de 2010

05/06/2010 - Programa sobre o cavalo


Os fósseis mais antigos de troncos primitivos do cavalo são originários da América do Norte. Como se vê, o berço do cavalo foi a América do Norte, há 50 milhões de anos. Antes do ano 1500 da nossa era, não havia cavalos nas Américas. Não existe, nas línguas originais do Continente Americano, nenhum termo que signifique cavalo. Todos os vocábulos que atualmente existem são derivações da palavra caballo do espanhol.
Nas escritas dos sumérios, hititas, assírios, babilônicos, hunos e ávaros já existe esse vocábulo há muitos séculos antes dos mongóis, egípcios, indianos, gregos, romanos e chineses. Os primeiros cavalos que chegaram no Continente Americano, mais precisamente no México, foram trazidos por Hernán Cortés, em 1519. Eram animais tão estranhos que assustaram os habitantes locais. Cobertos de pesadas armaduras, pareciam verdadeiras máquinas de destruição, blindadas e indestrutíveis.
 
 
Conta, a História, que o mesmo pavor tiveram os gregos, que também não conheciam o cavalo, ao serem invadidos pelos mongóis. Seria a origem da lenda dos Centauros. É idéia generalizada de que quem trouxe o cavalo para a América do Sul foi Don Pedro de Mendoza. Segundo os belíssimos versos do poeta José Curbelo – a beleza dispensa a verdade – era um zaino colorado:
“O cavalo tem chegado
com Don Pedro de Mendoza.
Sobre a pampa grandiosa
logo se tem multiplicado.
Trazia um zaino colorado
que quando desembarcou
junto a Riachuelo montou,
e penso que foi o primeiro,
que respirando o Pampeiro,
estas campinas cruzou”.
A idéia de que foi Don Pedro de Mendoza quem trouxe o cavalo para a América do Sul, hoje em dia não é mais aceita. Conforme pesquisas de Federico Oberti, Mendoza não deixou cavalos em Buenos Aires. Foi na segunda viagem de Colombo que trouxeram os primeiros cavalos para cá, vindos da Espanha. Segundo os historiadores, foi a primeira expedição verdadeiramente colonizadora: dezessete veleiros e entre 25 e 30 cavalos.
No seu livro El gaucho, Fernando O. Assunção afirma: “Quase seguramente foram, como mínimo, entre vinte e cinco a trinta cavalos embarcados. Esta quantidade está documentada detalhadamente por um pergaminho real datado no dia 23 de maio de 1493, em Barcelona, em que os Reis Católicos Isabel e Fernando ordenam que: ‘Entre a gente que mandamos ir na dita armada, temos concordado que sejam vinte e cinco lanças ginetes, a cavalo, por onde vos mandamos que entre a gente da irmandade que está nesse reino de Granada escolhais as ditas vinte lanças, que sejam homens seguros e confiáveis e que vão com boa vontade, e cinco deles levem cavalgaduras de reserva e que as ditas cavalgaduras de reserva que levam sejam éguas.’ ”
Em menos de oitenta anos, o rebanho cavalar do Sul da América do Sul, em especial o Pampa argentino e a Campanha rio-grandense, chegou a muitos milhares de cabeças. Só para se ter uma idéia da enorme quantidade de cavalos que deveria existir nessas regiões, em 1754 Bartolomeu Chevar levou do Rio Grande do Sul para Minas, 3.780 mulas. Para haver 3.780 mulas deveriam existir muitas éguas, já que a mula é um animal híbrido e estéril. Ainda em 1768, quando os jesuítas foram expulsos, só na região das Missões existia perto de duzentos mil cavalos, mesmo depois dos rebanhos terem sido saqueados pelos índios infiéis que iam até as proximidades dos “Povos” fazer grandes arrebatamentos para vender aos portugueses. Tal era a quantidade existente, informa José Hansel (“A pérola das reduções jesuíticas”), que a quebra era logo compensada pela reprodução.
Para o gaúcho, o cavalo é o "animal", por excelência, usado quase que exclusivamente para montaria. Já o índio rio-grandense, vencido o temor que o animal desconhecido lhe causava, cavalgava altivamente pelas coxilhas, montando "em pêlo" ou, mais tarde, como mostram desenhos do pintor Debret, num tipo de sela primitivo: num "xergão" sobre o qual havia uma "carona", presa por uma espécie de "cincha", governando o cavalo por uma corda que lhe era amarrada no queixo.
Hoje os arreios, isto é, as peças necessárias para encilhar o cavalo, os chamados "aperos" ou "preparos" são bem mais complexos. Distinguem-se os aperos da cabeça e os de montaria.
Toda a cultura gaúcha está embasada no cavalo. Até na sua filosofia de vida abundam as comparações com esse animal. Quando o gaúcho quer dar um exemplo de precaução, diz: “Nunca boleie a perna em rancho estranho sem dar o ‘Ó de casa!”. Significa não apear do cavalo sem que primeiro apareça alguma pessoa da morada. É para essa pessoa acalmar os cachorros. Outro exemplo: “Ao começar a encilhar um cavalo, a primeira peça dos arreios que se põe é o freio”. O cavalo enfrenado, em caso de urgência está em condições de ser montado em pêlo, mas, se estiver só encilhado, sem o freio, não serve para nada. Mais um: “Não fique diante dos bois, atrás dos cavalos, nem perto dos superiores”. Os bois dão chifradas; os cavalos, coices e os superiores, puxões de orelhas.
Esse amor ao cavalo explica porque ele não é consumido como alimento. Nem os bárbaros de Átila comiam carne de cavalo. Ninguém come um amigo! Seria quase um canibalismo.
A grande maioria dos conselhos gaúchos estão relacionados com o cavalo, seu comportamento ou afins: lidas campeiras, arreios. Aqui vão alguns, colhidos do livro Mala de poncho, de Raul Annes Gonçalves:
“Desconfiado como bagual torto.” (Cego de um olho)
“Andar com as cinchas nas virilhas.” (Andar mal de finanças)
“Cavalo maneado também pasta.” (Alusão ao homem casado que namora)
A maneira de falar do gaúcho antigo chegou de forma impressionante até nossos dias. Mesmo nos maiores centros urbanos do Estado, dezenas de palavras oriundas da lida campeira continuam sendo usadas com significado paralelo ao original.
Também chegaram até nossos dias a música, os payadores e a poesia gaúcha. Simões Lopes Neto no seu Cancioneiro Guasca, antologia da música popular gaúcha do passado, mostra a atenção que os habitantes do interior tinham pelo gaúcho. Muitas pessoas do interior, ainda hoje ligadas diretamente ou indiretamente ao campo, compõem músicas e fazem poesias e trovas a maneira do gaúcho.
Até hoje, muito embora algumas tentativas, o cavalo ainda não pode ser substituído por máquinas nas lidas de campo.
Estas o ajudam. Estas ajudam muito, mas ainda não podem fazer o que o cavalo faz, como por exemplo, um aparte no rodeio ou numa porteira de mangueira. Além disso, o cavalo é o ingrediente que maiores belezas e alegrias produzem dentro dos trabalhos de uma estância. Ë belo, é ágil, é inteligente, é dócil, é veloz, é vaidoso, é forte, enfim nos proporciona momentos de verdadeiro encantamento, principalmente quando, em seu lombo, praticamos as mais difíceis, porém mais emotivas e alegres lidas, como o tiro de laço e o aparte, que hoje os "Crioulistas"apelidaram de "Paleteada" .

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