sexta-feira, 14 de maio de 2010

15/05/2010 - Programa sobre os Angueras


Para contarmos um pouco da história dos Angueras, teremos que primeiro contar um pouco da vida de um dos fundadores do Grupo Amador de Arte Os Angueras, José Lewis Bicca.
Tudo começou em 1961, quando Bicca chegou em São Borja vindo de Cachoeira do Sul. Bicca, por incrível que pareça, não tinha vínculo com a cultura gaúcha antes de chegar aqui, vindo a se tornar um dos maiores nomes do meio na atualidade. Em Cachoeira, Bicca era jogador de basquete, e ao chegar em São Borja fundou o “Clube dos Dez”, grupo de amigos dispostos a praticar e divulgar o esporte pouco difundido. Reuniram amigos, compraram bolas, construíram tabelas e começaram a treinar. O 2º Regimento de Cavalaria João Manuel também tinha um time de basquete, e assim começaram a realizar jogos entre si. Na década de 60, durante a ditadura militar, os militares obviamente não admitiam perder para os civis, e a rivalidade entre eles crescia. Por algum tempo disputaram partidas, e tendo em vista a pouca adesão dos moradores ao esporte, o time terminou e outra vontade floresceu entre eles: o gosto pela música.
Numa época em que “Os Beatles” reinavam no mundo inteiro, esses jovens, contrários a cantarem em inglês, a repetir Teixeirinha e a bossa nova carioca, decidiram fazer sua própria música, cantar seu cotidiano, sua terra e seus costumes.
Numa entrevista ao Jornal Zero Hora, José Lewis Bicca contou sobre sua vida na musica e também sobre o Grupo Amador de Arte Os Angueras, revelando algumas peculiaridades não sabidas por muitos artistas do meio.
Sobre o inicio dos Angueras ele disse:
- Fundamos Os Angüeras em 10 de Março de 1962. Eu, Telmo de Lima Freitas, Apparício Silva Rillo, Sadi Santiago (Capincho), Darvey Orenga, Vicente Goulart e Carlos Moreno (Pimpim). Queríamos cantar a nossa terra, mas iríamos cantar o quê? Teixeirinha? Não. Não havia repertório de música gaúcha como existe hoje. Então resolvemos compor nossas próprias canções. O nome “Angüera” foi idealizado por Rillo e significa “espírito que volta” ou “alma que se devolve ao corpo”.
De origem Guarani, "Angüera" significa "espírito que volta" ou "alma que se devolve ao corpo", um pouco estranho a primeira vista, mas, logo, compreensível, pois o "Angüera" antes triste e caladão, virou cantador e tocador de viola, depois que os padres das Missões o batizaram e lhe deram o nome de Generoso e, assim, na mitologia missioneira "Angüera" pode ser considerado o patrono da música e da alegria gaúcha.
Com a poesia de Rillo por esteio, surgiu “Os Angüeras” (nome sugerido pelo próprio Rillo), composto pelos nomes já citados.
De um desses encontros, surgiu a primeira música do Grupo: "Valsinha de Trazontonte" - Letra de Apparício Silva Rillo e Música de José Lewis Bicca. Ao receber a letra, disse Bicca:
- Mas eu nunca fiz música.
Rillo respondeu:
- Não fez, mas vai fazer.
 
Um hábito entre Aparicio Silva Rillo e José Lewis Bicca acontecia naturalmente antes de cada composição em parceira. Rillo colocava sua letra dobrada no bolso de Bicca, que a lia, e, se achasse que era possível musicá-la, dobrava novamente e colocava de volta em seu bolso. Se, ao ler, Bicca não se identificava com a temática ou não via possibilidades de fazer a música, dobrava e devolvia para o bolso de Rillo.
Os Angueras tem sua sede localizada na beira do rio Uruguai, em São Borja , se notarizaram, também, pela organização do festival de canções regionalistas, o "Festival da Barranca", elitista, que reune a "nata" do nativismo gaúcho e que acontece sempre na semana santa, mas sobre o Festival da Barranca vamos deixar para outro programa.
Os Angueras grava seu primeiro LP em 1975. Embora tenha passado por inúmeras formações, sempre foi dirigido e integrado por José Lewis Bicca. Quando gravou o CD "Sinhá Querência", sua formação era do citado Bicca (direção, vocal e violão), Pedro Ayub Julião (solista e vocals), Paulo Roberto Lima (arranjos, sopros, teclado e vocal), Sérgio Wagner de Souza (violão e vocal) e Derly Azambuja Meneghetti (violão, sopros e vocal).
O Grupo Os Angueras encenou peças teatrais, montou jograis, realizou bailes e jantares, participou de inúmeros festivais nativistas, dentre eles, como registro histórico, destacamos a participação no mais antigo festival de música nativista do Rio Grande do Sul - Califórnia da Canção Nativa de Uruguaiana - com sendo o primeiro grupo a subir no palco para apresentar a primeira música (andarengo). Assim, antes mesmo do surgimento dos festivais o grupo já cantava e cultuava as coisas do Rio Grande. Fazendo, então, a partir disso, a construção de um repertório próprio, com letras de Apparício Silva Rillo e músicas de José Lewis Bicca.
Olha o dourado que bateu no espinhel”! Assim gritou um balseiro que pescava na popa de uma balsa no Rio Uruguai em São Borja, sob o olhar e ouvidos atentos de Apparício Silva Rillo, na companhia do parceiro e compadre José Lewis Bicca que admiravam as lidas destes. “O Rillo me convidou para irmos até a margem do rio observar os balseiros nesta tarde”, diz Bicca. Esta simples frase deu origem a uma das músicas gaúchas mais conhecidas de todos os tempos. Rillo percebeu o grito, e acrescentou:
- “Traz a canoa que rio fundo não dá pé”.
Assim, escreveu “Cantiga de Rio e Remo” que Zé Bicca veio a musicar posteriormente.
Apparício Silva Rillo filho de Marciano de Oliveira Rillo e de Lélia Silva Rillo, nasceu em 8 de Agosto de 1931, em Porto Alegre.
Com a indicação de haver nascido na capital do Estado, seu registro civil de nascimento foi efetuado na cidade de Guaíba, circunstância que, mais tarde, viria a trazer não pequenos incômodos ao poeta. Alguns de seus documentos pessoais apontavam Guaíba como seu local de nascimento, dado que o registro em si trazia o timbre, como já referido, do cartório daquela localidade. Até hoje, inclusive, não são poucos os que juram ter Apparício nascido na cidade berço de José Gomes de Vasconcelos Jardim - um dos pró-homens da Revolução Farroupilha. O que, dizia o poeta, muito o enobrecia. "Minha raiz mais funda é guaibense", confirmava.
*Em Capela de Sant'Anna o poeta cumpriu o que chama sua "iniciação" em costumes campeiros. O estabelecimento de experimentação agrícola dirigido por seu pai, locado em três quadras de campo, era uma espécie de média estância. Além dos trabalhos agrícolas de rotina, havia um posto de remonta com um diversificado plantel de reprodutores, um plantel de vacas mansas e dezenas de cavalos para o serviço. Desse contato com os hábitos campeiros comuns aos homens que trabalhavam no Posto de Sementes, das conversas com os peões encarregados das tarefas diárias, nasceu-lhe o gosto, que já vinha de berço (o pai era filho de estancieiro), pelos costumes mais autênticos da vida rural gaúcha.
Aparicio Silva Rillo com os Angüeras, de 1971 a 1975, recebeu expressivas colocações na Califórnia da Canção Gaúcha, em Uruguaiana. Foi o grande vencedor deste evento em 1975, com “Roda-Canto”, musicada por Mário Barbará, havendo a dupla, na oportunidade, recebido nada menos que cinco premiações pela mesma composição. Ainda com Barbará, foi o vencedor da Linha Campeira em 1976 e 1977, e da Linha de Manifestação Rio-Grandense em 1978, na mesma Califórnia da Canção. Venceu, com Luiz Carlos Borges como parceiro, a I Ronda da Canção de Alegrete, em 1980; a III Vindima da Canção de Flores da Cunha, em 1982 e a V Vigília do Canto Gaúcho, de Cachoeira do Sul em 1986. É autor, com música de José Bicca, dos hinos oficiais dos municípios de São Borja e Cerro Largo. No gênero popular tem parcerias com o grande compositor Túlio Piva e, com músicas suas e de outros parceiros, venceu por várias vezes o Festival de Músicas para o Carnaval, que São Borja realiza anualmente desde 1969.
Aparicio Silva Rillo enxergava poesia em tudo o que o rodeava, além de sua memória impecável e Q.I. altíssimo. Considerado um oleiro das palavras, a moldava com carinho como se fosse barro e cantou tudo o que há dentro do RS. Alguns dos seus poemas mais bonitos foram escritos em questão de minutos, tais como: “Vidro dos Olhos” e “Vertente, Caminho e Foz”. Rillo vem no rastro de Aureliano de Figueiredo Pinto, poeta e precursor da intelectualidade poética regional. Contemporâneo de Antônio Augusto Ferreira, Jayme Caetano Braun e Colmar Duarte, poetas do mais alto calão que enriqueceram, juntamente com Rillo, a cultura poética gaúcha, nos deixando um legado cantado até nossos dias, desde as metrópoles até os mais longínquos rincões do Rio Grande do Sul. É seguido também por nomes da nova geração da poesia, como Gujo Teixeira e Rodrigo Bauer. A ausência deste angüera é sentida em todo o Estado, principalmente em São Borja. É uma lacuna impreenchível nos anais da cultura gaúcha.

E na manhã do dia 23 de junho de 1995 (na véspera de São João) Apparício Silva Rillo aos 63 anos deixou um pouco mais órfãos a cidade de São Borja e o Rio Grande do Sul.
Apparicio Silva Rillo faleceu de parada cardíaca em 23 de Junho de 1995 aos 63 anos de idade em São Borja. Foi um dos maiores poetas do Regionalismo gaúcho chegando a ingressar na academia Rio Grandense de letras, deu os primeiros passos de sua vida em Guaiba.
José Lewis Bicca o Zé Bicca, engenheiro mecânico frustrado, realizava-se entendendo como as coisas funcionam – para , depois, transformá-las. Mas seria impossível tentar descrevê-lo a partir de informações objetivas e racionais, ainda que algumas delas exibam indiscutível valor histórico.
José Lewis Bicca morreu no dia 9 de setembro de 2009 à noite da mesma maneira como viveu os 71 anos da sua vida: do coração. Seu velório foi adequadamente grave como sua voz e emocionado como sua alma, reunindo amigos, autoridades e artistas no museu que o grupo Os Angueras mantém em São Borja. A dimensão da perda de Bicca talvez justificasse a escolha solene do local, afinal, o cachoeirense sempre foi pau para toda a obra que significasse preservar e recuperar a memória da vida do homem e da mulher do campo, com destaque para a sua iniciativa de criar, ao lado de amigos como Telmo de Lima Freitas e Apparício Silva Rillo o grupo amador de arte Os Angueras, em 1962.

Nenhum comentário:

Postar um comentário